25/09/2020
Presenciei nos últimos dias um alarde muito grande sobre a MP 998 como um solucionador da implementação do varejista, quando na verdade, no meu entendimento, o maior destaque seria a figura do varejista ser instituída legalmente.
Que fique bem claro, esse artigo não é uma crítica a MP 998, mas sim um alerta para o seu recebimento em relação ao varejista.
A MP 998 trouxe, entre outras, alterações na Lei Nº 10.848, de 15 de março de 2004. Em relação ao varejista, ocorreu a introdução do artigo 4º-A:
“Art. 4º-A A comercialização no ambiente de contratação livre poderá ser realizada mediante a comercialização varejista, conforme regulamento da Aneel, caracterizada pela representação, por agentes da CCEE habilitados, das pessoas físicas ou jurídicas a quem seja facultado não aderir à CCEE.”
Pois bem, qual hoje é o maior risco considerado para o varejista?
Com certeza é a eventual inadimplência provocada pelos representados, o que pode “quebrar” o varejista.
O consumidor/gerador que está representado pelo varejista na CCEE, não possui obrigação nenhuma com mercado, pois sua relação se dá direta e exclusivamente com o varejista, ou seja, a CCEE não enxerga esse consumidor como empresa associada, mas sim o varejista com todas suas cargas e usinas. E esse é o grande problema.
Ocorrendo inadimplência do representado com o varejista, quem assume essa inadimplência é o próprio varejista – diferentemente da inadimplência gerada pelos agentes aderidos na CCEE, pois essas são rateadas pelos credores do Mercado de Curto Prazo do próprio mês. Até aí tudo bem, pois essa inadimplência deve mesmo ser de responsabilidade do varejista, pois é ele quem faz as análises necessárias e deve ter uma garantia para a quitação dessa inadimplência. Agora, o principal motivo da falta de interesse pelo varejista se dá no ponto da impossibilidade da rescisão contratual entre o varejista e seu representado por força de decisão judicial.
Para emplacar a figura do varejista é extremamente necessário a criação de um dispositivo que permita ao varejista deixar de ser responsabilizado pela inadimplência após o fim do contrato de representação, mesmo com decisão judicial para manter o representado inadimplente no mercado livre. A partir da rescisão contratual, que deve seguir o rito procedimental, essa inadimplência deveria passar a ser rateada conforme as regras já existentes.
Outro ponto, essa desvinculação do representado com o varejista deve ser automática. Ocorrendo a inadimplência do representado não deve existir um processo administrativo nos moldes que existe na CCEE para desligamento, justamente para que o varejista não sofra com a continuidade da inadimplência. Obedecido o prazo de notificação previsto no PdC – Módulo 1 – Submódulo 1.6 – Comercialização Varejista, a inadimplência deveria deixar de ser responsabilidade do varejista e passar a ser do mercado, nos moldes do rateio que já existe hoje para associados (REN 545/13).
Contudo, para isso ocorrer é necessário que os Órgãos responsáveis definam critérios objetivos de quem pode ser representado, inclusive, com indicadores financeiros. Assim, aqueles varejistas que cumprirem com as condições estabelecidas, estarão autorizados a utilizar o mecanismo disposto no parágrafo anterior. Já aqueles varejistas que não cumprirem com tais condições, ficariam responsáveis pela inadimplência gerada pelo representado, até o efetivo corte do fornecimento de energia elétrica previsto atualmente, arcando com eventual consequência de decisão judicial para impedir o corte.
Inclusive, a MP 998 introduziu a vedação de imposição ao varejista de quaisquer ônus ou obrigações não previstas em contratos e regulamentos da ANEEL. O que corrobora com o que está sendo abordado nesse artigo.
O que com toda certeza não pode ocorrer é o varejista que cumpre com todas as boas práticas de mercado e análises de risco ficar amarrado com eventual inadimplência e não conseguir rescindir o contrato com o representado que obtém uma liminar na Justiça, prática adotada por alguns agentes que estão em processo de desligamento por descumprimento de obrigações na CCEE. No meu tempo de CCEE, já vi agente desligado por descumprimento se manter agente da CCEE por força judicial por mais de 1 ano, com uma inadimplência que alcançou milhões de Reais. Imagine essa situação ser vivida por um varejista: não há quem consiga se manter em pé com uma realidade dessas.
Assim, no meu entender, o destravamento do varejista não ocorrerá até que as soluções de quem arcará com a inadimplência dos representados com demanda judicial seja normatizada.
Importante deixar registrado a figura do supridor de última instância, que também pode ser uma solução para esses casos, mas que será tratado em um artigo futuro, por ser uma solução mais complexa do que a apresentada nesse texto.
Muitos críticos falam que os varejistas devem ser os responsáveis por essa inadimplência e que a área de análise de crédito/risco deve prever esse tipo de situação. Certo é que a abertura do mercado de energia elétrica trará tanto empresas saudáveis quanto não-saudáveis e os varejistas serão os responsáveis por colocar essas empresas em dificuldades financeiras para dentro do mercado, e não tenho dúvida de que alguns varejistas flexibilizarão suas análises para aumentar seu portifólio, independentemente da saúde financeira dessas empresas.
Realmente, aquele varejista que assinou um contrato com uma empresa em dificuldades financeiras e que não preenche os requisitos estabelecidos deve ser responsabilizado por esse ingresso.
Fazendo um paralelo para o que já existe hoje, os contratos de venda de energia para consumidores livres é seguido de diversas formas de garantias usuais no mercado financeiro. Essas garantias também devem ser exigidas pelos varejistas no ingresso do representado. O varejista precisa ficar atendo a todos os movimentos de seu representado, a saúde financeira deve ser constantemente verificada e as garantias devem seguir essa saúde. Identificado um possível calote, deve o varejista considerar pedir mais garantias, o que pode estar estipulado em contrato.
O regulador dando sinais claros e objetivos de quem deve ser o representado, mitigaria em muito a entrada de empresas em dificuldades financeiras, ficando a critério do varejista a escolha e o risco de quem representar.
Marcelo Gregol – Sócio da Dínamo Energia
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