10/06/2021
Por Tânia Aloisi e João Bortotti – publicação pela Wave
A partir de Junho/21, a conta de energia elétrica passa a ser cobrada pela ‘Bandeira Vermelha – Patamar 2’, tendo efeito no bolso de grande parte dos consumidores, incluindo indústrias e empresas de diversos portes e segmentos
Sendo o nível mais alto de bandeira tarifária, o incremento na tarifa inspira atenção ao que ocasionará no orçamento mensal das empresas.
No Brasil, a tarifação de energia elétrica segue o ‘Sistema de Bandeiras Tarifárias’, conforme legislação da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, que objetiva sinalizar à toda população o custo da energia produzida, em função das condições reais de geração. Através das cores Verde, Amarela ou Vermelha – nos Patamares 1 e 2, indicam quanto de fato a energia gerada custa, num determinado período de apuração.
A mudança de Bandeira nos traz alguns alertas, como por exemplo, aponta que os principais reservatórios do país estão com níveis de abastecimento reduzidos, oferecendo menor oferta de energia hídrica. Também informa à sociedade sobre a necessidade de uso consciente e eficiente da energia, assim como indica a cobertura dos custos de acionamento das usinas termelétricas, cujos combustíveis são mais onerosos à cadeia de geração de energia.
Esse cenário nos conduz a reflexões sobre:
– Como gerir os negócios com menor custo e com foco em sustentabilidade ambiental?
– Seria possível minha empresa ter maior grau de previsibilidade de custos com energia?
– Será que o fantasma de um novo racionamento de energia poderá nos surpreender no pós-pandemia, quando os níveis de crescimento econômico se projetam mais otimistas?
Há respostas para esses questionamentos, e também maneiras de preparar sua empresa para lidar com incertezas relacionadas ao suprimento de energia. O planejamento estratégico e financeiro dos gestores deve incluir essa pauta nas suas agendas, já que a realidade do país nos exige reflexão e ações preventivas de mitigação de riscos para a garantia do abastecimento seguro, sustentável, eficiente e mais econômico de energia elétrica.
Num momento em que as discussões sobre ESG (Environmental, Social and Governance – Ambiental, Social e Governança) se tornam cada vez mais presentes no valor das empresas, pois por meio destes conceitos são percebidas e avaliadas por seus investidores e clientes, o tema de gestão de energia eficiente e ambientalmente sustentável é motivo de engajamento de gestores e tomadores de decisão.
A fim de esclarecer pontos que frequentemente trazem dúvidas aos consumidores empresariais, relacionadas à legislação vigente de Suprimento de Energia, conversei com João Bortotti, Sócio da Dínamo Energia e advogado especialista em regulação e comercialização de energia elétrica.
A seguir você terá um conjunto de informações técnico-regulatórias, que ampliarão conceitos e mostrarão opções disponíveis no mercado de energia, para que sua empresa possa repensar a gestão de custos de energia e se preparar para a retomada do desenvolvimento econômico, com novo enfoque.
1. Principais anseios de Pequenas e Médias Empresas
“Observamos grande desejo por economia, mas desconfiança no caminho a percorrer!”, segundo João Bortotti, os empresários brasileiros tem inseguranças em promover mudanças estruturais, no tocante ao conceito de fornecimento de energia.
Ele diz que “os consumidores sempre estão interessados em redução de custos. No entanto, é muito comum desanimarem com a burocracia e responsabilidades em se tornar um Consumidor Livre, ou mesmo com o investimento inicial de construir sua geração distribuída (GD).
Para as duas situações há remédio, mas a falta de conhecimento e informação acaba pesando e mantendo os consumidores onde eles já estão confortáveis e conhecem as regras do jogo”.
No caso do consumidor livre, existem muitas empresas especializadas em prestar o serviço de gestão, e no caso de GD, há muitas outras que financiam o custo do projeto por todo o período de payback, sendo remunerado pelo investimento inicial e pelo risco de inadimplência que assume ao longo do período de pagamento.
2. Enquadramento de empresas na classificação do Mercado de Energia
Os critérios e requisitos do mercado de energia estão direcionados para as instalações elétricas dos consumidores em Baixa, Média e Alta tensão. “Existem dois mercados: o chamado ‘Cativo’, porque os consumidores são obrigados a comprar energia da distribuidora local, e o ‘Livre’, no qual a energia é vendida por geradores e comercializadoras”. Assim comenta J.Bortotti, ao traduzir o conceito do mercado de energia em simples palavras.
No Mercado Cativo, como todas as relações são apenas com a distribuidora, os consumidores pagam apenas uma única fatura no fim do mês. Isso porque o produto energia e seu transporte são fornecidos pela mesma entidade (a distribuidora).
Na baixa tensão (residências e pequenos comércios), também há apenas um contrato de adesão padrão, quando é solicitada uma ligação nova ou a transferência de titularidade. Já na média e alta tensão (comércios maiores e indústrias), existem dois contratos: o Contrato de Uso do Sistema de Distribuição (CUSD) e o Contrato de Compra de Energia Regulada (CCER).
No Mercado Livre (também chamado de Ambiente de Contratação Livre ou ACL), a relação que antes era apenas com a distribuidora, passa a ser com vários agentes: (1) a distribuidora, responsável pelo transporte e entrega da energia (única etapa que continua igual entre os mercados cativo e livre); (2) a comercializadora ou geradora de energia, que realiza a venda do produto energia; (3) a CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, responsável por contabilizar e liquidar os contratos de energia; e (4) a gestora, caso o consumidor opte por contratar uma empresa especializada.
3. Alternativas aos consumidores comerciais e industriais para gestão visionária do suprimento de energia do seu negócio
3.1 Mercado Livre de Energia
“O Mercado livre é uma alternativa para os consumidores, criado por lei (atualmente vigora a 10.848/04), a qual exige dois requisitos mínimos: de Tensão de fornecimento e Demanda Contratada mínimas”, esclarece J. Bortotti.
Os consumidores precisam estar conectados em Média/Alta Tensão (consumidores do Grupo A, ou seja, aqueles alimentados por tensão igual ou superior a 2,3 kV) e demandar pelo menos 500 kW da distribuidora. Essa demanda contratada não se confunde com a quantidade de energia consumida no mês, entretanto, ela representa o máximo que o consumidor vai exigir da rede em um dado instante e, normalmente, é igual à potência somada de todos os equipamentos instalados no local. Os consumidores que atendem a esse requisito podem atuar no mercado livre.
Tanto Nos casos de consumidores em baixa tensão – Grupo B (tensão de alimentação inferior a 2,3 kV) com demanda alta, quanto nos casos consumidores do Grupo A com demanda a partir de 200 kW, vale a pena uma análise financeira para avaliação da troca de transformadores e/ou aumento da demanda contratada, para atingir o requisito mínimo de acesso ao mercado livre.
Importante ressaltar que grupos empresariais que tenham matriz e filial, comprovadas por CNPJ, podem se reunir para esta finalidade, usufruindo da somatória de Demandas para acesso ao Mercado Livre.
Há ainda uma restrição legal de acesso ao Mercado Livre, que ocorre quando a empresa está em processo de Recuperação Judicial. Nesse caso, a migração só pode ocorrer via um Varejista de Energia, que assumirá o risco de crédito do consumidor.
Os principais atrativos do Mercado Livre são o menor custo global com energia elétrica – de 10 a 30% de redução – e a previsibilidade do preço da energia (negociado em contrato, independente de tarifa da distribuidora e das bandeiras tarifárias).
“O mercado livre já existe há mais de 20 anos, tem mais de 10 mil participantes e 8,5 mil consumidores. Desde 2020, o ritmo de novas migrações continua alto. Até Dez/22, os Consumidores Livres Especiais (com demanda próxima dos 500 kW) ainda serão obrigados a comprar energia das chamadas Fontes Incentivadas, que são as fontes renováveis. A partir de Jan/23, poderão comprar energia de qualquer fonte”, pontua J.Bortotti.
3.2 Autoprodução de Energia e Geração Distribuída
Adicionalmente, os consumidores também podem ter geração própria, como painéis fotovoltaicos. Caso sejam consumidores cativos, se enquadram na chamada geração distribuída; já se forem consumidores livres, são caracterizados como ‘autoprodutores’.
Essa opção é uma das que mais agrada empresas de pequeno e médio portes, já que em termos de suprimento, principalmente num cenário de adoção de medidas de racionamento pelas autoridades, se reduz muito esse impacto. Também para os consumidores cativos, pode-se anular o impacto da variação da sazonalidade e bandeiras tarifárias.
“Em relação à Geração Distribuída (GD), já passamos 620 mil unidades consumidoras e 490 mil geradores no país, aumentando em ritmo elevadíssimo, tendo em vista que as regras atuais são muito favoráveis para quem quer construir seu projeto. É muito provável que ocorra uma calibragem destes incentivos, pois as regras serão revisadas em breve.” afirma J. Bortotti.
4. Condições necessárias para gerar a própria energia, objetivando Sustentabilidade e Redução da Fatura
A mini e micro-geração distribuída ocorre quando um consumidor cativo constrói sua própria usina de geração.
Atualmente 99% da GD é composta por geração fotovoltaica (por painéis solares). Eles podem ser instalados em qualquer lugar com boa insolação, nos telhados ou em algum terreno disponível. Se estiverem no próprio imóvel, é denominada GD “local”; mas podem estar em qualquer lugar dentro da área de concessão da distribuidora, chamada de GD “remota”.
“Os consumidores também podem se reunir em cooperativas (pessoas físicas) ou consórcios (pessoas jurídicas) para compartilhar os ônus e bônus.”
O ponto crítico da GD é o prazo para recuperar o investimento, que atualmente varia de 3 a 8 anos, conforme tamanho e condições do projeto. Como a vida útil atual dos painéis fotovoltaicos é de 25 anos, isso significa que depois desse período de amortização, todo o período restante é “lucro” para o consumidor”, conforme cita J. Bortotti.
A GD é uma alternativa para reforçar a garantia de suprimento de energia, tanto no caso de racionamento de energia ou falha da rede da distribuidora.
5. Considerações Finais
Menor custo, maior previsibilidade orçamentária e sustentabilidade ambiental são os principais desejos que empresários almejam na gestão de energia de seus negócios. Para isso, é preciso contar com assessoria especializada e planejamento.
De modo geral, o consumo de energia ‘cativa’ é o mais caro e imprevisível (pois as tarifas variam conforme processo realizada pela ANEEL, afetado por diversos fatores). Qualquer medida, seja de migração, GD ou eficiência energética é muito recomendada, para tornar os investimentos mais eficientes, assim como ajudar o empreendedor a economizar e ter mais capital de giro disponível para seu negócio.
Em relação à GD, a legislação está prestes a mudar, com a discussão bem polarizada entre benefícios e custos dos incentivos.
No mercado livre há a perspectiva de abertura cada vez maior, podendo chegar até o consumidor residencial por volta de 2028, conforme os projetos de lei e estudos em discussão.
As demandas de ESG serão cada vez mais presentes na pauta de valoração das empresas. A questão ambiental, materializada na possibilidade de atestar a compra de energia limpa ou poder gerar sua própria ‘energia verde’ passou a ser agenda urgente e vital de empreendedores.
Permanecer na dependência de condições climáticas, para então tomar conhecimento da tarifa de energia de sua empresa, ou mesmo não pontuar alternativas de eficiência energética nas estratégias de seu negócio, já não cabem mais no discurso de empresários conectados às demandas de perpetuação atuais.
Tânia Aloisi
Engenheira Eletricista graduada pela Universidade Mackenzie e MBA em administração executiva pelo Insper, é Business Partner da WAVE.
Atuante no setor elétrico há mais de 20 anos, ocupou posições de liderança e diretoria geral em multinacionais do segmento, tendo vivência em manufatura, planejamento, Sistemas EPC e Soluções Turnkey para o setor de Energia Renovável, Geração, Transmissão, Distribuição.
João Bortotti
Advogado especialista em regulação e comercialização de energia elétrica, formado em Direito pela Universidade Mackenzie e pós-graduado pela Universidade Federal de Itajuba, é atualmente Sócio da Dínamo Energia – Consultoria Regulatória.
Atuou nos segmentos de distribuição (AES Eletropaulo), geração (Velcan Energy), comercialização (co-fundou a Potencial Energia), além da CCEE. Tem vivência em advocacia societária, licenciamento ambiental e relações institucionais.
Fontes:
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